Eu não sou um palhaço. Eu não faço rir. Minhas piadas, quando as conto, são sem graça. Em fim, o adjetivo na sua pura forma depreciativa não encaixa no meu perfil simplesmente porque não tenho talento. Para ser artista de circo, aquele de roupas multicoloridas e alma em branco e preto, que transmite a alegria por onde passa, é normal que isso venha do berço.
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Selton Mello e Paulo José |
Não vejo mais circos. Não vejo mais palhaços. Não vejo mais alegrias. Pra dizer a verdade eu nem sabia que existia o Dia do Palhaço. Mas existe. É dia 10 de dezembro. A vida deste profissional, sem rumo e sem destino, mereceria maior atenção dos órgãos governamentais responsáveis pela cultura do país. As verbas são avultadas, mas dirigidas para o bolso daqueles que não precisam delas; a sua singularidade é que o beneficiário tenha laços no poder. O pequeno circo é excluído. O que resta do circo, com seu mastro imponente e aquele movimento de tenda medieval, anda à perigo com a ausência de infraestrutura,

sem o apoio da mídia e patrocínio oficial. O palhaço é o personagem de si mesmo. No camarim está sempre se maquiando, abusa do vermelho, das cores berrantes listradas e encenando a forma mais simples de fazer rir. É difícil ser palhaço. Tem que ter vocação. É mais fácil fazer chorar do que rir. É a ordem natural das coisas. O filme de Selton Mello é dedicado ao tema. Ele é o Pangaré e Paulo José, o Puro Sangue.

O filme é pura poesia onde retrata a trajetória da família circense com todas as suas mazelas e sua vida cigana, sem o mínimo de dignidade. Creio eu que Selton tenha se inspirado no talento de Charles Chaplim do cinema mudo: ele é melancólico e destila tristeza no olhar. O palhaço enquanto faz o público rir, derrama lágrimas internas. Assim é a vida do artista mambembe errante e incerta, quase sempre com um final sem sorriso. Os "sentimentos de tristeza e alegria colorem o fundo afetivo da vida psíquica normal. A tristeza constitui-se na resposta humana universal às situações de perda, derrota, desapontamento e outras adversidades. Cumpre lembrar que essa resposta tem valor adaptativo, do ponto de vista evolutivo, uma vez que, através do retraimento, poupa energia e recursos para o futuro.

Por outro lado, constitui-se em sinal de alerta, para os demais, de que a pessoa está precisando de companhia e ajuda. As reações de luto, que se estabelecem em resposta à perda de pessoas queridas, caracterizam-se pelo sentimento de profunda tristeza, exacerbação da atividade simpática e inquietude. As reações de luto normal podem estender-se até por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos quadros depressivos propriamente ditos", assim o define a psicologia.
A sagração do artista é um muro de lamentações e uma vida no anonimato. O circo é a sua casa. Os Palhaços abrem mão de uma vida familiar a troco das incertezas do sustento da arte.
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Pangaré |
O protótipo do palhaço de hoje, era o "bobo da corte" que vivia nos Paços reais a fim de alegrar a vida monótona da realeza. No Brasil, os palhaços de maior destaque foram: Arrelia, Chique-chique, Pirulito,Teco-co, Pinguim, Bozzo, Carequinha e Picolino. Nenhum deles tinha o olhar de lince, mas sim aquela "saudade do desconhecido e do indefinível".

Palhaço não se cria, já nasce com o dom da irreverência. Ser palhaço não é simplesmente pintar a cara e colocar seu símbolo, o nariz vermelho. É algo maior. É um ponto de luz que se desenvolve para espalhar a alegria e o contágio do riso fácil. Tanto a criança, quanto os adultos e os mais vividos riam espontaneamente. É a alegria do picadeiro e o esteio do "show circo" de maior alcance popular. É pena que a arte secular vem morrendo aos poucos sufocados pela falta de recursos. Com o fim do circo, morre a arte popular, morre o palhaço e sepultam as gargalhadas. Luzes da Ribalta, música de Chaplim, esboça um sentimento que se esbarra na finitude da vida e tenta acalentar os nossos sentimentos de perdas, real ou imaginária:
"Vidas que se acabam a sorrir
Luzes que se apagam, nada mais
É sonhar em vão tentar aos outros iludir
Se o que se foi pra nós
Não voltará jamais
Para que chorar o que passou
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
Renascerá em outros corações"